setembro 06, 2004

BESLAN

Reuters:
“A morte de mais de 320 crianças, pais e professores durante o sangrento desfecho do sequestro de 53 horas de uma escola atingiu praticamente todas as famílias da pequena cidade russa de Beslan.”


Hoje apetece-me falar de consternação. Da consternação que senti quando vi as imagens do extermínio na pequena cidade de Beslan, na Ossétia do Norte, que tem o terrível azar de se localizar a poucos quilómetros da conflituosa Tchétchénia.
Deixei as lágrimas correrem-me pelas faces, senti apenas parte da dor, da revolta, do ódio, da incredulidade que aquela população do interior da Rússia sentiu, pois assisto de longe, vejo através de imagens, não conheço as pessoas, não falo a língua delas nem a compreendo, pratico outra religião, tenho outros costumes, outras tradições.
Mas também sou mãe, também vivo no interior de um país e sei o que daí incorre. Incorre que em cidades pequenas, as pessoas podem não se conhecer pessoalmente, mas conhecem-se todas de vista. A cidade foi desmembrada, foi violada, foi esventrada. O défice não se aplica só aos que morreram, mas também aos que ficaram vivos e que terão de viver para sempre com a recordação do terror, com as lacunas que persistirão no seu dia-a-dia, nas suas convivências.
O menino que via todos os dias passar para a escola, deixará de o ver, a professora da qual os filhos gabavam as qualidades, deixou de existir, os jovens que se juntavam naquele clube para passar o tempo e namoriscar, deixaram de aparecer, o namorado a quem fez promessas de amor eterno, desapareceu, a mãe que todos os dias os vestia com carinho, antes de os levar à escola, deixará de o fazer.
Todos mortos, todo um quotidiano de uma pequena cidade alterado. Toda uma geração desmembrada. Toda uma cidade manchada pela dor. Uma cidade na qual ninguém está disponível para confortar o outro, pois a sua dor ocupa-o demasiado, ou então choram em conjunto, tentando dividir o sofrimento.

As razões que levaram a tamanha loucura, insanidade, prefiro não as comentar pois acho que não existem, não podem existir razões ou justificações para tamanha barbárie. Foram actos os quais eu, enquanto ser humano, não consigo avaliar. Só seres inumanos, bárbaros e atrozes poderão compreender o que ali se passou. Não me incluo nessa estirpe.

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