setembro 24, 2004

Apesar de tudo....





O português é conhecido sobretudo pela sua capacidade de improvisar, de resolver tudo à última da hora, de superar as dificuldades que até à data limite de resolução pareciam impossíveis de solucionar: o chamado "desenrascanço", (consultar definição de desenrascanço aqui) tão bem conhecido de aquém e além mar, sem o qual, talvez devido ao uso extremo que lhe temos dado, já não podemos viver. Mas, normalmente, associamo-lo apenas ao nosso quotidiano, à vida de todos os dias e aos problemas que nos vão surgindo. Não estamos a contar que tal aconteça ao mais alto nível da sociedade organizada.

Ora esta palhaçada toda que tem sido a colocação de professores, digna de um carnaval e anedota nacional (tal como já foi apelidado por um dos sindicatos de professores) é também mais um meio de por à prova o tão conhecido "desenrascanço", que, diga-se de passagem, seria desnecessário se vivessemos num país moderno, bem estruturado e sobretudo com pessoas competentes ao nosso serviço.
Mas, infelizmente, tal não acontece.

Portanto a Ministra decidiu apelar ao "desenrascanço" e as listas lá estão a ser feitas, "à mão". Tarefa que me parece impossível de executar em tão curto espaço de tempo. A ver vamos...

Os funcionários do Ministério desdobram-se para fazer as contas que a Compta deveria ter feito e se as estatísticas não estiverem erradas, o nível de conhecimentos matemáticos do bom português fará com que as ditas listas definitas não o sejam ainda dia 30. Rolarão, portanto, processos em tribunais com queixas, com reclamações, com professores insatisfeitos e alunos mal servidos.

Mas apesar de tudo, o bom senso prevalece, não da parte do Governo (isso já está mais que visto), mas da parte da sociedade que nestas coisas tende sempre a ser solidária.

Hoje de manhã tive reunião na escola do meu filho. Foi-nos dito que apesar das dificuldades (faltam ainda colocar 13 professores, num universo de 16), a escola começará no próximo dia 27 de Setembro.
Os professores efectivos (3, portanto) acolherão os seus respectivos alunos e quanto aos outros alunos, os professores que se encontram ainda à espera de colocação encarregam-se de os acompanhar até que lhes seja atribuído um professor definitivo para este ano lectivo.

Acto louvável, sobretudo de quem está à beira do desespero!

Ao que nós chegámos!
Ao voluntariado daqueles que são o core da Educação em Portugal.
Inadmissível!

Aqui lhes faço uma vénia pelo sentido de responsabilidade que têm, pelo serviço público que irão prestar e sem agradecimentos de um Governo corrompido pela incompetência.

Uma boa "chapada" na cara do Governo. Uma anarquia provocada pelos que elegemos (pensando bem não os elegemos!) e bem organizada pela sociedade que prova agora estar no topo da tabela no que toca a valores cívicos.

Vêm-me à cabeça cenas do "Ensaio sobre a Lucidez" de Saramago. Quem sabe ele não está certo? O que este Governo precisava era de facto uma boa dose de desprezo!

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