junho 24, 2004
O charme do Centro Histórico
Naquele tempo não passavam carros por estas ruas, não se viam fios eléctricos, nem fios telefónicos, não existiam antenas, parabólicas ou não, não se vislumbravam caixas de ar-condicionado, não existiam letreiros luminosos, as montras vendiam outros produtos e a sua estética tinha algo de laico.
Fruto do tempo e da modernidade, da evolução ou revolução tecnológica, o centro histórico de Tomar foi-se transformando, adaptando-se às épocas, aos movimentos, às modas.
Poderemos dizer que ainda bem que assim o é, que o conforto, a modernidade, também chegaram a Tomar. No entanto, para uma cidade que se quer, essencialmente, turística, para uma cidade onde alguns sectores económicos subsistem com muitas agruras e onde outros nem sequer existem, numa cidade que se quer atraente, algo tem de mudar.
Basta passearmos pela baixa da cidade, com um pouco mais de atenção, para a cada passeio nos depararmos com novas perspectivas, novas descobertas. Para o bem e para o mal.
O encanto único das janelas de “avental”, a maravilha das janelas de canto, os pormenores arquitectónicos de alguns palacetes, os beirados à portuguesa, as janelas olho de boi, o traçado sinuoso de algumas das ruas, o traçado majestoso de outras, a sua toponímia, a calçada de seixo rolado que cobre algumas das artérias, os paralelos de granito que cobrem outras, o comércio tradicional que as anima, os jardins que as refrescam, o rio que as banha, as igrejas que as povoam, a história que as atravessa.
O charme da cidade tem também muito a ver com o ambiente que esta transparece. Porém, a cidade decidiu pintar o cabelo, abandonar os cabelos brancos e lançar-se na estética fácil dos piores cirurgiões. A cara esticada, e o sorriso perpétuo nunca favoreceram ninguém.
Muito se tem feito para tentar devolver-lhe o seu rosto antigo, porém algumas cicatrizes das antigas operações ainda lá estão e algumas, diga-se de passagem, será difícil apagá-las.
Estou a falar por metáforas, tal como o carteiro de Pablo Neruda, mas o que pretendo é tentar fazer uma comparação que todos compreendam, expor-lhes as minhas apreensões sobre uma cidade que acima de tudo amo, e que sinto como minha.
Apesar dos esforços que têm sido feitos numa tentativa de se respeitarem os traçados antigos e tradicionais das habitações, existem ainda algumas onde tal não foi feito. Pinturas exteriores vermelhas, rosas, ou amarelas, não me parecem o mais adequado, no entanto, não vou aqui afirmar que seriam todas brancas, porque nem sequer tenho bases científicas para tal, mas se os nossos antepassados usavam a cal para pintar as paredes, será normal e óbvio pensar assim.
É vergonhoso olhar para os beirados e não os conseguir ver, tal é a profusão de cabos que os encobrem. Para quando redes de cabos subterrâneos (telefónicos, eléctricos, etc)?
É chocante ver janelas e portas de alumínios prateados, de linhas direitas, quando existem alumínios coloridos que imitam na perfeição as madeiras antigas.
Não sou sectária ao ponto de achar que os habitantes do centro histórico tenham de viver sem os confortos da modernidade em prol da preservação. Não sou radical ao ponto de achar que novos materiais não possam ser usados. Não defendo que se tenham que reconstruir as casas em tabique e que as janelas ou as placas tenham que ser em madeira. Dentro de sua casa cada um vive como quer ou como pode, contudo, por fora, no que nos é oferecido vislumbrar, terão que existir regras. E estas regras terão que partir da autarquia, começando por haver vontade e coragem de erradicar todas as intrusões visuais, por haver normas rígidas no que respeita a reconstruções.
Da parte da autarquia pretendemos ainda a manutenção dos pavimentos originais, a boa iluminação das artérias do centro histórico, condições suficientes capazes de dinamizar o comércio tradicional, animação de lazer e cultural constante e uma boa manutenção dos monumentos que coabitam com o casario.
Porque, para além de um centro histórico genuíno e homogéneo, queremos acima de tudo um centro histórico vivido, habitado, atractivo, com qualidade de vida, que chame até si não só os turistas, mas os próprios tomarenses, que aí queiram viver e conviver.
SóniaPP
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