maio 17, 2004

Tempos modernos

Nasci na cidade, mas sinto-me do campo. Do campo de onde guardo as mais ternas recordações dos meus dias de infância. As férias escolares e tudo o que guardavam de surpresas, de novos amigos, lá, na aldeia da minha avó.
Guardo ternas recordações das brincadeiras inocentes, dos amigos que voltavam todos os anos, dos dias que se passavam em liberdade, em comunhão com a natureza.
Colhia-mos amoras, comia-mos os frutos das árvores e perdiamo-nos em eternas brincadeiras de esconde-esconde, saltos na corda e desvarios de bicicleta. Calcorreávamos pinhais, chapinhávamos nos ribeiros e só parávamos para uma breve refeição, comida à pressa na ânsia de retomar o jogo suspenso.
Era uma sensação de alegria pura, de eterna felicidade.

Hoje sou mãe e vivo na crescente amargura de não poder oferecer aos meus filhos o que os meus pais me ofereceram: a simplicidade da vida.
Chegam as férias deles e encarcero-os num qualquer ATL, fruto dos tempos modernos.
Hoje os avós trabalham, a vida corre mais depressa, o vagar de outros tempos apagou-se, ficou esquecido algures na conjuntura.
Não sabem quais são as flores que se chupam e amargam, nem as que se chupam e são doces. Nunca apanharam grilos, nem nunca foram buscar água à fonte.

Queremos oferecer-lhes um futuro, dar-lhes tudo o que de material existe, para compensar esta lacuna enorme que é não os deixar ser crianças em sintonia com a liberdade.
Hoje os tempos são outros. A insegurança, o crime são o mote. As notícias uma propaganda de violência.
E as nossas crianças? Por aqui andam perdidas neste mundo de loucos, sujeitos às loucuras dos pais, que trabalham de sol a sol, para lhes oferecerem jogos de vídeo e telemóveis de última geração.

Antes da tecnologia nasceu a natureza, e quando Deus decidiu criar o homem colocou-o frente a frente com essa mesma natureza, sem armas, sem tecnologias.

Por isso é natural que eu guarde melhores recordações do meus telefones de copo e cordel do que do primeiro telemóvel que comprei, que aprecie mais um pôr-do-sol do que um programa televisivo, que me retenha em pensamentos nos passeios de bicicleta pelo campo que fiz do que da bicicleta de um qualquer ginásio com som techno.

E queria, acima de tudo, que os meus filhos também tivessem estas gratas recordações, porém não encontro a solução.

Resta-me a esperança que a alegria que transparecem seja sinónimo de felicidade, de sintonia com o seu tempo, com as suas vivências, com as quais eu não me identifico, mas que, apesar de tudo, compreendo.

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