Observo. Sobretudo, observo. E
quando dos meus olhos já transbordam imagens que se cruzam, entrecruzam e que
se querem libertar do aperto da retina que as retém, então verbalizo o que
sinto e transformo-as em palavras.
Por vezes ficam presas na
garganta, recusam-se a sair e desenvolve-se uma luta física entre a vista e a
voz, uma a querer libertar-se a outra a recusar-se à liberdade. Há um conflito
de interesses difícil de ultrapassar. Normalmente são as palavras cinza as que
a garganta não quer libertar, aquelas que não queremos dizer para não enublar o
arco iris que nos envolve. Mas para quê querer um arco iris se é de plástico e
só serve de cenário? A realidade vai muito para além do arco iris e aliás, já
alguém alguma vez conseguiu tocar um? São etéreos e tudo o que assim é, vive no
mundo celeste, no dos sonhos que tentamos alcançar.
Por isso o melhor é mesmo passar
para palavras o que vou observando:
Tenho quarenta e poucos anos. Se
transformarmos a vida num gráfico semelhante ao da vida de um produto, estou
agora no ponto cimeiro, logo após a curva descendente. Deveria deixar-me ir no
escorrega e deslizar lentamente para os anos dourados de bodas de ouro e
pantufas quentinhas. Mas isso é só para quem se resigna, ou para quem viveu
numa outra época em que isso seria possível. Hoje em dia as coisas mudaram.
Hoje em dia, o que no dia anterior era adquirido passou a estar hipotecado. A
profissão, os rendimentos, a materialidade e imaterialidade da vida. Tudo se
vende, tudo se compra. Exceto a dignidade, claro! (e mesmo assim, ainda há quem
a tente vender…).
A verdade é que o mundo mudou e assistimos
a uma mudança de paradigma, a uma mudança brutal de conceitos, de valores e
sobretudo de modos de vida para os quais não estávamos habituados. E a mudança
dói, especialmente quando não fomos nós que a desejámos.
Andamos todos confusos, perdidos
neste mar de instabilidade, sem porto de abrigo à espera de um cais que nos
acolha, sem rumo, sem mapa, navegando à bolina até encontrar terra firme e sem
saber onde encontrá-la. Esperamos. E enquanto esperamos sentimos a insegurança
como nunca a tínhamos sentido. Tornou-se quase palpável, física. Demasiado real,
ensombrando-nos a vida.
Na minha idade as minhas
preocupações, e de acordo com o gráfico da vida, deveriam ser apenas a
incerteza da escolha do local de férias… (ou talvez não, porque eu não sou de
me resignar, e cada dia são mais 24 horas para poder fazer algo de novo). Neste
momento as minhas preocupações são saber onde estarei amanhã. Um dia de cada
vez, um dia a seguir ao outro e outros chavões do género que curiosamente se
aplicam hoje na perfeição, quando não há mais nada para dizer.
Ler notícias é constatar esta
realidade. Ver televisão é constatar esta realidade. As imagens preenchem-me a
retina. Transborda. Tenho de verbalizar.
Querer é poder, dizia o outro,
não sei bem quem, mas alguém que se permitia esses luxos. E eu bem que queria
ter uma visão seletiva, mas não tenho esse luxo.
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